
Cientistas descobriram restos mortais de uma vasta comunidade de animais que viveu no Ártico europeu há 75 mil anos. Os ossos de 46 grupos, que incluem mamíferos, peixes e pássaros, foram localizados em uma caverna na costa do norte da Noruega, e representam os exemplares mais antigo do período mais quente da Era Glacial.
A equipe acredita que esses registros fósseis ajudarão a completar lacunas existentes a respeito de como a vida selvagem respondia às mudanças climáticas drásticas – percepções que serão altamente relevantes para o trabalho de conservação atual. As descobertas aparecem em um artigo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) na segunda-feira (4).
“Nossos achados fornecem um raro retrato de um mundo ártico desaparecido”, destaca Sam Walker, autor do estudo, em comunicado. “Elas também ressaltam a vulnerabilidade de espécies adaptadas ao frio em condições climáticas variáveis, o que pode nos ajudar a entender sua resiliência e o risco de extinção no presente”.
Por dentro do acervo fóssil
Restos de urso-polar (Ursus maritimus), morsa (Odobenus rosmarus), baleia-da-Groenlândia (Balaena mysticetus), fradinho (Fratercula arctica), êider-edredão (Somateria mollissima), lagópode-branco (Lagopus muta) e bacalhau-do-Atlântico (Gadus morhua) foram identificados em grande volume na caverna. Além deles, os especialistas também foram surpreendidos pelos ossos de lêmures-de-colar (Varecia variegata), uma espécie extinta, nunca antes encontrada na Escandinávia.
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“Temos pouquíssimas evidências de como era a vida no Ártico nesse período devido à falta de vestígios preservados com mais de 10 mil anos”, explica Sanne Boessenkool, colaboradora do projeto. “A caverna agora revelou uma mistura diversificada de animais em um ecossistema costeiro que representa tanto o ambiente marinho quanto o terrestre”.
A caverna Arne Qvamgrotta foi descoberta na década de 1990, quando uma indústria de mineração local construiu um túnel através de uma montanha próxima. Desde então, ela permaneceu praticamente inexplorada por quase 30 anos, quando a equipe finalmente realizou grandes escavações em 2021 e 2022 e desenterrou os seus segredos.
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Devido à variedade de animais no local, os autores apostam na hipótese de que o habitat na época era praticamente livre de gelo ao longo da costa após o derretimento das geleiras. Isso teria proporcionado um ecossistema adequado para as renas migratórias cujos restos mortais foram descobertos.
Já a presença de peixes de água doce significa que haveria lagos e rios na tundra e que deveria haver gelo marinho na costa para alguns mamíferos, como as baleias-da-Groenlândia e as morsas. O gelo marinho provavelmente era sazonal, pois os botos, também encontrados entre os restos mortais dos animais, são conhecidos por evitar o gelo.
Dificuldade na adaptação a outros ecossistemas
Embora esses animais tenham colonizado a região depois que as geleiras derreteram, parece que populações inteiras morreram porque não conseguiram migrar para ecossistemas alternativos quando o gelo retornou e cobriu a paisagem. Testes de DNA descobriram que muitas dessas linhagens não sobreviveram ao evento.
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“Isso destaca como as espécies adaptadas ao frio lutam para se adaptar a grandes eventos climáticos, e tem uma ligação direta com os desafios que elas enfrentam no Ártico hoje, com o aquecimento climático acelerado”, afirma Walker. “Os habitats em que esses animais vivem na região hoje estão muito mais fragmentados do que há 75 mil anos, tornando ainda mais difícil para as populações animais se deslocarem e se adaptarem”.
Vale notar que esta foi uma mudança para um período mais frio, e não para o período de aquecimento que enfrentamos hoje. “Estas são espécies adaptadas ao frio – portanto, se elas tiveram dificuldade para lidar com períodos mais gelados no passado, será ainda mais difícil para elas se adaptarem a um clima mais quente”, observa Boessenkool.
(Por Arthur Almeida)

