Na gravação, é possível observar um dos momentos em que a ave libera dejetos enquanto sobrevoa o oceano — Foto: Leo Uesaka

Ao fixar câmeras nas barrigas de cagarras-do-pacífico (Calonectris leucomelas) de uma colônia na Ilha Funakoshi Ohshima, na costa do Japão, uma dupla de cientistas da Universidade de Tóquio tinha como objetivo analisar os movimentos das patas dessas aves no voo. Contudo, conforme se aprofundavam nas observações, eles foram surpreendidos por uma constatação curiosa: enquanto sobrevoavam o oceano, a espécie tendia a defecar frequentemente e em grande volume.

Para se ter uma ideia de quão comum foi tal comportamento, vale destacar que, durante as quase 36 horas de gravação das 15 aves, a equipe capturou um total de 195 dejetos. Apenas um desses episódios ocorreu enquanto a ave estava na água – o que se suspeita ter ocorrido de forma acidental, em decorrência de uma pressão anormal no intestino.

Segundo os cálculos dos especialistas, os animais defecavam a cada quatro ou dez minutos, o que dá uma média de cinco vezes por hora. Na prática, isso pode representar uma perda de quase 5% de sua massa corporal a cada hora. Detalhes da descoberta foram publicados como um artigo científico na revista Current Biology nessa segunda-feira (18).

Impactos ao meio ambiente

Por mais que a pesquisa sobre os hábitos de defecação das aves marinhas possa parecer boba, não é uma questão de curiosidade ociosa, e há importantes questões científicas em jogo. Nas últimas décadas, os cientistas começaram a reconhecer que todos os animais produzem resíduos que podem, dependendo de seus hábitos, transportar elementos vitais como fósforo e nitrogênio pelos ecossistemas.

E este também parece ser o caso com as cagarras-do-pacífico. Embora a equipe ainda não consiga compreender exatamente como as fezes desses espécimes afetam a ciclagem de nutrientes no mar, acredita-se que o guano (termo técnico para se referir aos dejetos das aves marinhas) fornece nutrientes tanto ao solo quanto à água dos locais de nidificação costeiros.

“As baleias transportam nutrientes verticalmente na água do mar, alimentando-se em águas profundas e defecando na superfície. Enquanto isso, as aves marinhas podem ter um efeito local mais forte em áreas onde se reúnem em grande número”, aponta o biólogo Leo Uesaka, coautor da produção, em entrevista à Science News.

Riscos de gripe aviária

Outro ponto levantado pelos especialistas é de que o curioso comportamento pode ser uma estratégia das aves para se manterem limpas, já que evita que elas sujem as suas plumas com restos fecais. A distância do material orgânico ainda lhes oferece uma chance de evitar a atração de predadores.

Mas nem tudo são flores. Uesaka destaca à Scientific American que as imagens coletadas demonstram que, por vezes, a estratégia seria higiênica apenas para o defecador. Isso porque os sobrevoos geralmente ocorrem em uma região logo acima de onde outras cagarras descansam na superfície do mar. Assim, é possível que os dejetos caiam justamente em cima delas.

Embora sirvam como fertilizante oceânico, o guano também pode conter uma série de agentes patógenos, como os vírus da influenza aviária. Essa doença, que está dizimando a vida selvagem, é transmitida justamente pelo contato direto com os excrementos ou pela água e alimento contaminados por eles.

“Compreender a requência de defecação no mar é fundamental para combater o avanço desse vírus dentro das colônias”, observa Uesaka. Em estudos futuros, isso deve ser abordado de forma mais aprofundada pelos pesquisadores.

A equipe também planeja verifiar se esse comportamento é exclusivo da espécie ou se ele se repete entre outras vazes. A dupla já reuniu imagens de vídeo equivalentes de gaivotas-japonesas (Larus crassirostris), mas ainda não teve o tempo hábil para vasculhá-las em detalhes.

(Por Arthur Almeida)