
Imagine um animal tão poderoso que consegue quebrar conchas de moluscos e até vidro de aquários com um único golpe. Essa não é a descrição de um predador gigante dos oceanos, mas do pequeno e colorido camarão-louva-deus-palhaço, Odontodactylus scyllarus, dono do soco mais rápido do mundo. Agora, cientistas descobriram como esse crustáceo consegue desferir ataques devastadores sem se ferir, um segredo da natureza que pode inspirar novos materiais ultrarresistentes para tecnologia e medicina, de acordo com estudo publicado na revista Science, no dia 06 de fevereiro.
Esse animal é famoso por suas garras em forma de porrete, conhecidas como “dactyl clubs”, que são capazes de atingir velocidades de até 80 km/h em menos de três milissegundos, gerando uma força de impacto equivalente a uma bala de calibre 22. Um ataque tão forte, que além de esmagar suas presas, também cria bolhas de cavitação, que seriam pequenos vácuos na água que colapsam com energia suficiente para gerar um segundo impacto, ou seja, a vítima é atingida duas vezes pelo mesmo golpe.
Mas o que realmente intriga os cientistas não é apenas a força do soco, e sim a incrível resistência da estrutura da “lagosta pugilista”. Se um material comum fosse submetido a esse nível de impacto repetidamente, ele logo se partiria.
A descoberta da ciência
Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, ao analisarem a estrutura microscópica do porrete do camarão-louva-a-deus-pavão, descobriram que o exoesqueleto desse crustáceo é composto por três camadas. A camada intermediária apresenta um padrão conhecido como ‘estrutura de Bouligand’, na qual fibras de quitina, um polímero natural, se organizam de forma altamente estratégica. Essas fibras se entrelaçam em diferentes direções, criando um padrão que se repete periodicamente a cada 500 micrômetros.
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Além disso, o exoesqueleto contém um mineral à base de cálcio, semelhante ao encontrado em ossos e dentes humanos. Na estrutura de Bouligand, as fibras de quitina são dispostas como feixes de lápis, com algumas orientadas para as camadas externas, outras paralelas a elas e outras em ângulos intermediários, formando uma organização periódica e não aleatória.
Esse design atua como um verdadeiro escudo de absorção de impacto. Quando camarão realiza um golpe, as ondas de choque de alta frequência, as mais destrutivas, são filtradas por essa estrutura, sendo dissipadas antes que possam causar danos ao próprio animal.
“Se a energia do impacto fosse distribuída ao longo do tempo de forma descontrolada, ela acabaria quebrando o exoesqueleto do camarão”, explica Maroun Abi Ghanem, físico e coautor do estudo na Nature. “Mas esse material natural funciona como um filtro mecânico, isolando as ondas mais perigosas.”
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Do fundo do mar para o futuro
O impacto dessa descoberta vai muito além da biologia marinha. A estrutura de Bouligand do camarão pode servir de inspiração para novos materiais resistentes e leves, com aplicações que vão desde equipamentos esportivos e coletes à prova de balas até implantes cirúrgicos que podem absorver choques dentro do corpo humano. Além disso, a técnica poderia ser aplicada no desenvolvimento de filtros mecânicos avançados para dispositivos eletrônicos, como smartphones e sensores de alta precisão.
Nicola Pugno, cientista de materiais da Universidade de Trento, na Itália, destaca o potencial dessa inovação. “A natureza nos dá exemplos fascinantes de design estrutural. Estudos como esse mostram como podemos aplicar esses conceitos em tecnologias que exigem resistência extrema”, concluiu ele.
(Por Carina Gonçalves)

