Uma equipe de pesquisadores revelou novas evidências de que doenças infecciosas foram um dos principais fatores responsáveis por dizimar o exército de Napoleão Bonaparte durante a sua desastrosa retirada da Rússia, em 1812. A partir da análise de DNA antigo extraído de dentes de soldados encontrados em uma vala comum em Vilnius, na Lituânia, os cientistas identificaram traços das bactérias Borrelia recurrentis, responsável pela febre recorrente transmitida por piolhos, e Salmonella enterica da linhagem Paratyphi C, causadora da febre paratifoide.
O estudo, ainda não revisado por cientistas independentes, foi publicado no dia 16 de julho na plataforma bioRxiv, e lança luz sobre as condições sanitárias extremas enfrentadas pelas tropas napoleônicas durante a campanha russa. A retirada, que durou de 19 de outubro a 14 de dezembro de 1812, é marcada por frio extremo, escassez de alimentos e surtos de doenças, levando à morte de dezenas de milhares de soldados – muitos tendo sequer enfrentado diretamente o inimigo
Das cerca de 500 a 600 mil tropas reunidas para a invasão da Rússia, apenas uma fração sobreviveu ao retorno. Historiadores há muito tempo atribuem as perdas ao inverno rigoroso e à fome, mas os novos dados genéticos indicam que epidemias também desempenharam papel crucial.
Papel das infecções no fracasso de Napoleão
Os cientistas analisaram 13 dentes intactos de diferentes soldados, selecionados entre mais de 3 mil corpos exumados em um cemitério coletivo em Vilnius, local diretamente relacionado à retirada de dezembro de 1812. Nenhum sinal de trauma de batalha foi encontrado nos restos mortais, sugerindo que a maioria das mortes foi causada por doenças.
A análise genômica identificou inicialmente 14 possíveis patógenos, com destaque para dois: Salmonella enterica Paratyphi C e Borrelia recurrentis. Em quatro soldados (identificados como 87A, 92B, 95A e 97B), foram detectados entre 30 e 970 fragmentos de DNA únicos da cepa Paratyphi C, com padrões consistentes com genes bacterianos antigos autênticos. Outro soldado, 93A, apresentou mais de 4 mil fragmentos únicos da bactéria causadora da febre recorrente.
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Esses achados coincidem com relatos históricos de diarreia generalizada e consumo de alimentos de baixa qualidade, como beterraba salgada e salmoura, durante a retirada – condições essas que favorecem a disseminação da febre paratifoide. A febre recorrente, por sua vez, é transmitida por piolhos, cuja presença em soldados napoleônicos já havia sido relatada em estudos anteriores.
Combinação de desafios enfrentados
Com base nesse estudo, o papel devastador das doenças infecciosas na campanha russa de 1812 ganha uma nova dimensão. Ele reforça que, em contextos históricos de guerra, inimigos invisíveis como bactérias e parasitas podem ser tão letais quanto qualquer exército.
A combinação de fadiga extrema, frio intenso e múltiplas infecções levou a um colapso em massa da saúde das tropas. Dessa forma, para adentrar ainda mais profundamente nesse ramo de estudo, os pesquisadores sugerem a ampliação da análise genética para um número maior de amostras. Acredita-se que, assim, será possível compreender a real extensão das epidemias.
(Por Arthur Almeida)

